Clipping – Revista Carta Capital
A carga pesada do retrocesso

No dia 19 de março, o Porto de Santos anotou mais um tento na longa lista dos vexames brasileiros. O recorde de 34 quilômetros de filas de caminhões para o escoamento da monumental safra de grãos deste ano. A má combinação de chuvas e secas, que reduziu o volume de soja a 66,4 milhões de toneladas na virada de 2011 para 2012, foi recuperada com folga neste verão, batendo a marca de 84,4 milhões de toneladas. O desafio agora é assegurar o desembarque do produto na China, que já absorve 43% da produção e deve comprar mais da metade da colheita até o fim da década.

Mas a epopeia de quem planta começa bem antes da travessia entre o Atlântico e o Mar Amarelo. Mais de mil quilômetros de lama e obras a meio caminho na BR-163, que liga o norte de Mato Grosso até o Porto de Santarém (PA), são a única alternativa para os produtores do Centro-Oeste que não querem se aventurar até Santos, seja por estrada, seja pelo igualmente caótico terminal ferroviário de Alto Taquari (MT).

Não bastasse a infraestrutura precária, a burocracia, a ineficiência da gestão de docas e o emaranhado tributário contribuem para fazer da logística a pior praga que ataca a agricultura brasileira. Nos cálculos da consultoria Agroconsult, o custo do frete para a exportação de grãos, que era de 35 dólares a tonelada há dez anos, já bateu a marca dos 100 dólares e, em situações de pico como agora, dispara a até 150 dólares. Em Paranaguá (PR), segundo maior porto de escoamento da safra, soluções como senhas eletrônicas para os caminhoneiros minimizaram bastante o problema, mas, em Santos, a saturação é tamanha que, não bastasse a rodovia, o congestionamento também atinge os navios, fazendo uma longa fila na orla do Guarujá. Até quem se aventurou a ver o mar no feriado da Páscoa teve de se amontoar no meio do caminho até chegar à balsa que faz a travessia entre Guarujá e Santos.

Todo esse prejuízo, por enquanto, fica na conta das transportadoras internacionais, mas, no ano que vem, a fatura volta para os produtores com a recomposição do frete comendo uma fatia dos ganhos desta safra. “Vivemos uma situação caótica em todos os modais, o País ainda não alcançou uma visão sistêmica sobre a questão dos transportes”, afirma o senador Clésio Andrade (PMDB-MG), presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). A precariedade do sistema é tão antiga e abrangente que a entidade calcula em 748 o número de grandes obras para colocar o Brasil no caminho certo, a um custo de 405 bilhões de reais. Embora pareça muito, esse valor representa menos de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,4 trilhões de reais registrado no ano passado.

Nessa lista estão incluídos investimentos em 39 aeroportos, a duplicação e melhora de 15 mil quilômetros de rodovias, a construção de 5 mil quilômetros e a modernização de outros 10 mil quilômetros de ferrovias, 66 obras em portos, 52 hidrovias e 104 projetos multimodais para integrar todos os sistemas. Para a mobilidade urbana, que prejudica milhões de pessoas nas grandes cidades, o País precisaria investir ainda em mais 600 quilômetros de linhas sobre trilhos.

A falta de integração nos transportes tem criado distorções que estão se agravando ao longo do tempo. De acordo com a Agroconsult, a matriz produtiva está se deslocando no campo, mas não na logística. Em 2002, 59% da produção de grãos estava concentrada no Sul e Sudeste, enquanto o Centro-Oeste, o Norte e o Nordeste respondiam por 41%. O escoamento, por sua vez, estava 91% concentrado nos portos ao Sul e somente 9% no Norte e Nordeste. No ano passado, os estados da nova fronteira agrícola assumiram a ponta, com 53% da produção, mas 84% dos embarques e desembarques -continuam nos terminais abaixo de Vitória (ES).

“As prioridades um, dois e três do agronegócio hoje são ligadas à logística. Até agora o que tínhamos era ruim e caro, mas estamos entrando em um território novo: a inexistência de infraestrutura para crescer, o que não tem preço”, afirma André Pessôa, sócio da consultoria.

Não bastasse o entrave na venda de commodities, o problema logístico também rouba uma fatia importante de competitividade de toda a cadeia produtiva. Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Supply Chain (Inbrasc) com 450 empresas, sendo 65% indústrias, mostra que o maior problema das companhias em encontrar novos fornecedores está relacionado a transportes. A principal- -preocupação dos empresários (24%) é com o atraso na entrega, superando a qualidade (18%) e o preço (15%). A questão da deficiência de modais logísticos é apontada diretamente por 8% das companhias. Levantamento do Inbrasc a pedido deCartaCapital revelou que 72% das empresas poderiam economizar até 2 milhões de reais por ano, cada uma, com um sistema de transportes mais racional.

De um lado, esses problemas -acentuam a dificuldade de importar. Para fugir de Santos, um produto que chega pela Bahia terá um custo elevadíssimo em terra para alcançar o Sul do País. De outro, atrapalham a integração dos parques industriais. “Uma indústria do ABC paulista não consegue comprar de um fornecedor do Nordeste por causa das péssimas condições das estradas federais, o que atrasa a entrega. Em São Paulo, o altíssimo -custo do pedágio é o maior problema”, afirma Henrique Gasperoni, diretor do Inbrasc. Por tabela, para quem quer mudar sua empresa para outro estado em busca de vantagens fiscais, só vale a pena se levar toda a cadeia de fornecedores consigo.

A lentidão em atacar esses problemas, segundo o senador Clésio Andrade, será o principal fator para que o PIB continue patinando em 2% de crescimento ao ano, enquanto poderia chegar a uma meta saudável de 4% a 5%: “O governo superou uma barreira ideológica importante, que foi abrir espaço para a iniciativa privada, mas precisa melhorar muito a eficiência. Não adianta nada anunciar mais de 200 bilhões de reais em investimentos e devolver 12 bilhões de -reais aos cofres públicos, como aconteceu no ano passado, por não executar os projetos previstos em orçamento”.

Nos cálculos da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o País investe pouco mais de 30 bilhões de reais em transportes por ano, sendo 40% por conta da iniciativa privada. Esse valor poderia subir até 66 bilhões (1,6% do PIB) nos próximos três anos, caso o governo destrave uma longa lista de concessões e desonere o -custo de capital, oferecendo mais garantias institucionais e jurídicas.

Reverter o nó da infraestrutura de transportes tornou-se, provavelmente, o maior problema da atividade produtiva brasileira, ao lado da reforma tributária. O termômetro do empresariado mostra que não falta capital para investir, o que pode criar um fluxo de dez anos de dinheiro “bom” na economia, formando ainda um novo e imenso mercado de mão de obra especializada para milhares de trabalhadores. Cabe agora ao governo colocar a máquina nos trilhos.
Por Arnaldo Comin
Clipping – Revista Carta Capital
Crescimento fora de estrada
As imagens de caminhões carregados de soja e enfiados na lama até a carroceria no trecho amazônico da BR-163 falam por si. A Cuiabá-Santarém, 1,5 mil quilômetros de promessas que se arrastam por três décadas, é apontada como ícone da precariedade logística no interior do País. “Se em Santos está ruim, faça ideia de como vai a situação em Mato Grosso”, corrobora André Pessôa, sócio da Agroconsult, cuja equipe acaba de percorrer mais de 600 quilômetros de estradas por todo o País para a pesquisa do Rally da Safra.

A BR-163 é a única ligação da região produtora de grãos de Sorriso (MT) até o porto fluvial de Santarém, principal canal de escoamento de carga por essa via no Norte do Brasil. Com exceção do estado de São Paulo, que, apesar das duras críticas sobre a alta tarifa dos pedágios, equacionou os problemas mais graves na malha rodoviária, a lama, as pistas esburacadas, a falta de duplicação de vias e de sinalização são regra em praticamente todo o País.

Depois de alguma relutância, o novo plano do governo tenta atrair 42 bilhões de reais em investimentos privados para duplicar, modernizar ou construir 7,5 mil quilômetros de rodovias federais. O pacote prevê a concessão de nove lotes, mas, apesar do caráter de urgência, os dois primeiros, relativos à BR-040, que liga Brasília a Belo Horizonte, e o trecho mineiro da BR-116 foram adiados no início do ano, reflexo do baixo interesse pela modelagem. Uma nova tentativa de leilão pode ocorrer somente depois de agosto, quando estão previstos os outros sete editais.

“A situação é gravíssima na BR-163, mas também é muito crítica em Minas Gerais, importante corredor de passagem, que não recebe investimentos há muito tempo”, pontua o senador Clésio Andrade (PMDB-MG), presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Para a entidade, as metas do governo são pequenas para o tamanho do problema. O saneamento pleiteado pelo setor prevê recursos de 177 bilhões de reais em 323 obras e intervenções rodoviárias.

Diante da pressão para garantir investidores, o governo fez uma série de ajustes nas regras de concessão para tornar o negócio mais atrativo, com ênfase na garantia de que os bancos públicos, BNDES à frente, garantam os financiamentos na fase inicial, enquanto as praças de pedágio não são instaladas.

Outra medida importante foi a redução da expectativa de aumento de tráfego de 5% para 4% ao ano, tornando mais realista a projeção, com um consequente acerto na tarifa, em benefício das empresas concessionárias. Outros ajustes pontuais, como a adequação dos locais de pedágios para evitar a fuga de tráfego, -também estão sendo feitos.

Para o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte, as medidas agradaram à iniciativa privada, mas o governo erra ao bater na tecla da garantia de financiamento: “O principal problema continuam sendo os estudos de viabilidade. Quando o investidor se depara com a tarifa teto, há muita incerteza quanto ao retorno real do negócio”. Ele destaca que, apesar de a expectativa de tráfego ter baixado a 4%, a média de crescimento entre as associadas da ABCR não passou de 3% nos últimos 12 anos. “Na hora de definir o projeto, o governo precisa ser conservador e pensar no longo prazo. Quem deve ser ousado é o empresário no leilão”, diz.

Embora o novo modelo tenha agradado, Alberto Zoffmann, diretor de project finance do Itaú BBA, que assessora grandes investidores em concessões, reitera que os editais não levam em conta situações de mercado que podem inviabilizar a realização das obras. A principal delas é a obrigatoriedade de duplicação total dos lotes em cinco anos, quando alguns trechos menos prioritários poderiam ter o prazo mais alongado. “Estamos falando de 6.750 quilômetros que serão duplicados ao mesmo tempo por várias empresas em todo o País, isso dá quase uma Dutra a cada quatro meses. Levando em conta a concorrência com outras grandes obras em ferrovias e aeroportos, pode haver um aumento considerável no custo da mão de obra e de materiais de construção”, calcula Zoffmann.

Esse fator pode reduzir muito a atratividade do negócio. Para o executivo do Itaú BBA, a taxa de retorno na faixa de 5%, cujo potencial pode chegar a 15% com a alavancagem do capital no mercado financeiro, pode ser rapidamente corroída por uma inflação inesperada no setor. “Se os custos subirem mais de 20%, voltamos a um patamar de retorno de 7%.”
Mas o banco está otimista com o potencial de negócios que poderá vir das concessões, desde a emissão de debêntures de infraestrutura, novos fundos de renda fixa, seguros, fianças de performance, assessoria financeira e capacidade de atração de grandes investidores.
Por Arnaldo Comin